Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Faço anos. Nem há uns meses decidi mandar tudo ao ar. Descontruir tem sido, aliás, a palavra de ordem dos últimos anos. Namorada, mudar de emprego, desemprego, afastar-me do tóxico, voltar ao grau zero. Um ponto de chegada que é, ao mesmo tempo, um ponto de partida. Estou muito longe de ser um produto acabado ou já devidamente restaurado. Já estive mais longe e isso por agora chega.
Algum desconforto persiste, já que no meio de tanta descontrução há coisas que não o podem ser. O que foi, o que aconteceu, o que me fizeram, o que fiz a outros... Tudo isso. Não há como mudar. É preciso aceitar.
Este foi o ano em que tudo o que podia, desconstruí. Tomei as rédeas. Este foi o ano em que passa uma década da que acho ser a maior nódoa da minha existência. O tempo devia ajudar, mas nem por isso o fez. Porque foi também uma desconstrução que, todavia, me deixou paralisado ao ponto de não conseguir reconstruir. Um ponto de chegada de onde ainda não não saí. Dez anos depois.
Dizer que me arrependo é injusto para quem era há dez anos. Fiz (ou não fiz) o que na altura parecia mais acertado, mesmo que as razões não tenham sido as melhores. Deixei que as culpas caíssem em mim apesar da decisão final não ter sido minha...Mas achei que o peso devia ser partilhado. A parte física de um lado, a parte emocional do outro. Nunca pensei que a bagagem fosse tão pesada, provavelmente o dobro (quadruplo?) da física. Quem seria hoje se tivesse sido outro há dez anos?
Um ano depois já havia outro, que apareceu enquanto eu ainda estava em cena. Pouco depois, já estava preenchida fisicamente e nunca por um instante se preocupou em retirar o dedo acusador da minha cara. Como se a decisão tivesse sido só minha, como se fosse um autoritário que a obrigasse a fazer o que fosse - era precisamente o contrário, nós homens por vezes somos uns joguetes. Ela sempre fez o que lhe apetecia, como no caso em apreço, percebo-o agora, como feliz egocêntrica. Mas arquei com as culpas, deixei-me ser acusado e sentia-me demasiado culpado para me proteger. Aguenta, tu consegues. Senti que merecia. É injusto julgar-me hoje pelo que fiz ontem. Hoje não o fazia, mas amanhã talvez não faça o que faria hoje. Criticar-me pelo ontem é também ser injusto com o amanhã, além de sê-lo com o hoje.
Será por isto que ainda não consegui reconstruir esta parte da minha existência, o lado emocional? Tentei com mais velhas, mais novas, mais estruturadas, menos estruturadas - não de forma premeditada -, entreguei-me a 100%, a 50%, a 25%, e nada. Mas também fiz muito coisa ao contrário. Dei 100% a quem merecia não mais de 25%, 25% a quem merecia 200%.
Mas mesmo antes de tudo já este lado emocional estava feito em frangalhos, no fundo acho que nunca esteve de outra forma. Não que tenha nascido assim, mas serei assim desde que me lembro de ter lado emocional para com o sexo oposto. O que me obriga não só a olhar mais para trás, como também mais para a frente.
Não é de somenos o meu histórico, seja o mais antigo, seja o mais recente.
Como conseguir reconstruir-me no aspeto emocional se os dez anos que passaram até aqui foram de completo caos e desordem à minha volta? Profissional, pessoal, familiar. Coincidiu com a crise, claro está, só para acentuar dificuldades.
E os dez anos anteriores, como foram? Ilusão, sonhos, despreocupações, adaptações. Fez diferença? Terei precisado tanto de ser aceite que me perdi nesses dez anos ou terei sofrido tanto nos últimos dez anos que mudei quase por completo de personalidade e forma de estar? Sou tão diferente hoje do que já fui que conhecer-me é um enorme desafio. Será que tanto me deixei andar ao sabor do vento que perdi o Norte que só agora procuro reencontrar? Daí tanta reconstrução?
Nunca tive dificuldades em integrar-me em locais novos, mas será porque sempre me adaptei a eles, perdendo-me e abdicando-me em nome da aceitação, para descobrir agora que mal sei quem sou? Ou será que foram os últimos dez anos que me modificaram de forma tão estrutural?
Aposto nos dois, mas com mais peso no primeiro. Os últimos dez anos serviram provavelmente para aperceber-me disto. Ou para procurar ajuda que me permitiu perceber isto e tanto mais.
Dizer que mal sei quem sou é um exagero. Já aí estive e lentamente tenho vindo a reencontrar-me. Sei o que gosto em alguns casos, noutros a autonomia ainda me deixa baralhado. Vou para onde? O que faço? Como faço? O queres fazer? Sei lá. Isto numa pessoa que precisa de ter o cérebro ocupado para evitar 'loops' e rotações em excesso, não é fácil. Mas o caminho faz-se caminhando e já dei alguns passos. Mas ainda me assusto.
Descontruí tudo para me reerguer, melhor e mais calmo. A um passo dos entas, estou melhor que no último aniversário, mas longe de onde quero estar. Lá chegarei. Não um produto acabado - nunca seremos -, mas talvez restaurado. Resta saber se quando chegar onde quero estar hoje, ainda quererei estar aí. Mas isso é para o 'eu' futuro.
Faço anos. Chove. Não estou feliz, mas já não estou triste. E esse foi o maior passo de todos, sinto. A prenda que me dei nos últimos meses. Apetece-me chorar, mas já não pelo hoje sobretudo pelos 'ontens' que acumulo. Mas sou o que sou graças a eles e, mal ou bem, gosto do que sou hoje.
Apaixono-me pelos detalhes antes do todo. Por vezes, raras, também o todo. Essas são as que doem mais.
Apaixono-me pelo cabelo, pela voz, pelos olhos, por uma expressão, um hábito, um tique, uma expressão verbal, um sotaque. Há quem reúna três, quatro, sete, dois ou um e meio.
Por serem fortes mas também precisarem de força, por serem extraordinariamente belas, boas pessoas, complexas, difíceis ou reservadas. Mas sempre morenas. Ainda que não existam regras sem exceção.
E o corpo. Uma barriga lisa, pernas bem desenhadas, um peito firme.
Assim é difícil apaixonar-me por uma só. Mas gosto de detalhes. Dou-lhes peso. Valor.
Nem é pelo sexo. É amor mesmo. Mas tão rapido a atear quanto a arder infelizmente. Estou a aprender a ir bebendo em vez de beber. Demora mas lá chegarei.
Por duas vezes numa semana encontrei-a. Primeiro, porque tive que falar dela - culpa minha, quem mandou falar no Robin Williams. Depois, três dias passados, chegou a hora do meu Avô. Todos sabíamos que estava para chegar, mas quando chega somos surpreendidos na mesma. O choque, o espanto, o imobilismo inicial, tudo emerge.
Sim, a lei natural ditava que a hora dele até já tinha passado. Mas depois de várias ameaças, acabamos por nos habituar a viver no limbo, e se em dez vezes não cai, porque cairia à décima primeira? Caiu. Fomos todos surpreendidos.
Chegará o dia em que a humanidade se libertará de constrangimentos pseudomorais e menos mortes nos apanharão desprevenidos. Para quê deixarem-nos a arrastar em camas, por tempo indeterminado? Quando a morte é inevitável. Para quê fazer de Deus quando Deus - para quem acredita - já os chama há tanto tempo?
Vejo a morte como algo que pode também ser planeado. Estas mortes. Por velhice, doenças progressivas e incuráveis, alzheimer, ataques que nos amputam, deterioração corporal. Qualquer condição que faça do corpo uma sombra do homem ou mulher que em tempos o habitou. Impossível contrariar o inevitável.
Temos mesmo que lutar até ao fim uma batalha que já está perdida só para acabar ainda mais destruído, tendo, pelo caminho, arrastado amigos e família para um calvário próprio, de acompanhamento, incerteza, vidas em suspenso, incontáveis idas a hospitais, sustos, urgências, gritos, desespero. Pena. É para quem isto? Para aquele que tem a morte já sentada ao seu lado ou para nós e a nossa obsessão de não largar? Quanto dinheiro e saúde se perde numa luta impossível?
Quererão as pessoas à beira da morte que façamos tudo para não os deixar ir no tempo devido mas antes no tempo forçado, levando-os até um grau de deterioração e dependência que, em condições normais jamais se deixariam chegar? Não teremos direito sobre nós mesmos? Não teremos direito a escolher? Se não aceito viver abaixo de certos patamares de dignidade, não devo ser obrigado a fazê-lo.
Chegará o dia em que poderemos determinar e decidir nós próprios as condições da nossa morte. Com hora marcada e tudo. Despedidas feitas, burocracia tratada. Nenhum beijo ou abraço ficará por dar. Nenhuma lágrima será vertida demasiado longe para chegar a horas. Ninguém deve ser condenado a uma subexistência - que alimenta o negócio da aúde, destrói a força anímica de uma família e apazigua todos aqueles que preferem não pensar, antes ter a consciência anestesiada com um "fizemos todos os possíveis". Só faltou perguntar se era isso que a pesoa queria. Definhar e não morrer.
E quanto ao Robin Williams, afinal?
Não sei porque falei nele. Ou antes, porque fui falar nele. O porquê de pensar sei. O tema 'suicídio' foi o que fez parar a conversa ali, claro. Mas não é nada disso. É mais a dimensão da solidão e tristeza que um sorriso - normalmente não o nosso mas o que provocamos - pode esconder.
Quem faz do humor uma arma defensiva perderá a capacidade de rir? Às vezes parece-me que sim. Mas deve ser sobretudo da solidão e da tristeza que o bom humor projetado esconde. Não sei bem porque falei. Mas de vez em quando lembro-me e penso nele. De como é preciso reagir. É o mesmo com a saúde física, digamos. Corrigir hábitos para reduzir a probabilidade de sair do palco cedo ou tarde de mais - situações acima descritas. Só isso. Escrever só só escrever. É uma razão como qualquer outra.
O tempo ensina-nos mas também nos condiciona
E o que nos é apresentado só é nosso para o escolhermos
A vida apresenta-se e sucede-se, o ritmo vertiginoso e contagioso cega-nos
Perdemos a paz, o sossego e a memória das lições do tempo pela falta do mesmo
As oportunidades agarram-se quando surgem
Seja com as duas mãos, seja com o dedo que temos disponível,
Só existem quando surgem, só se agarram quando existem
Porque tudo é fugaz, porque tudo é perecível
São tantos os dias longos que as suas longas horas nos iludem sobre a nossa existência
As conversas, repetidas e insistidas,
Mesmo que apenas de nós para nós,
Cansam e desgastam, distraem do dia
O que passou é tudo e ver tudo é vermo-nos como um ínfimo do que é nada
E perdemos muito. Valha-nos as nossas vitórias para ajudar o tempo a limpar as derrotas
São estas que nos ensinam e condicionam. São estas que acabamos por esquecer
Que nada surge quando é perfeito, que tudo se resume a acasos e coincidencias
Tempos e oportunidades
Que não é nosso decidir quando é nosso, apenas decidir se o agarramos
Perceber que o “quero” supera o “posso”
E que o "posso" ultrapassar o "quero" leva a anos de dormência
A felicidade, tal como a vontade, salta barreiras aos olhos intrasponíveis
Nem sempre o sabemos, nem sempre o vemos
Como o maquinista, que todos os dias já só vê a linha, esquecendo-se resto
Sendo que o resto é tudo e a linha nada
Que o medo do que tivemos não nos impeça de ter o que queremos
Custa-me estar afastado de ti sabendo as razões e a vontade que existe para estarmos juntos. Mas não te quero convencer. Só feliz. E não o serás se tiver que te convencer. Nem eu.
Conseguimos estar mortos enquanto vivemos. Foram oito ou sete anos sem chorar. Sem rir. Ninguem ri sem chorar. Esta a ceder? Estou a voltar? Estou a afundar? Sem chorar, nao se ri. Sem se rir, nao se chora. Tenho tanto para chorar ate voltar a rir. Volto? Afundo? Ja fui feliz. (E se chorar tanto que afundo antes de voltar a rir?)
A quantidade de poluição com que nos cruzamos diariamente será um dia vista como hoje olhamos para cidades da idade média. Já há muito que devíamos ter derrotado o petróleo.
Estou a melhorar? Estou a piorar? É uma das facetas mais estranhas de tudo isto. Estarei melhor ou está a minha cabeça a dizer-me que estou a melhorar sem o estar? Quero assim tanto estar melhor que mentiria a mim mesmo? Ou tudo isto é de vagas e de ciclos, um dia melhor, outro pior? Sei que não sei quem sou e isso talvez dificulte o diagnóstico. Sei que quero ser tudo mas que o tudo me bloqueia. Querendo ser tudo não sou nada. A vontade de tudo fazer, conhecer, saber intromete-se nessa mesma vontade e bloqueia. Estarei melhor? Pior? Provavelmente pior. Querer é poder?
Desde quando? Sempre quis ser feliz, sempre quis ter o melhor dos amanhãs. Pena não me preocupar com o hoje. Dizem-me que é a única coisa que existe. O ontem já foi, o amanhã é incerto e o hoje é efémero. (Vivemos onde mesmo?) Mais efémero ainda quando só pensamos no amanhã e no depois de amanhã. Mas se o hoje só serve para sobreviver, pensar no amanhã é uma fuga. Um dia melhor, aquele dia em que vou encontrar a tranquilidade que tanto almejo mas que nunca vejo.
Ter projectos, metas, objectivos ajuda-me a ser mais focado e a obter alguma tranquilidade intraquila, cujo preço passa por não pensar em mim. Moeda de troca ou opção? Talvez seja eu quem escolhe nunca estar tranquilo, calmo, em paz. A monotia do quotidiano mata, ainda mais quando não se lhe consegue trazer um qualquer objectivo maior que nós próprios – somos infímos. Ser maior que nós é quase nada. Acordar. Banho. Pequeno-almoço. Trabalho. Almoçar. Café. Trabalho. Lanche. Café. Fim-de-semana. Já é domingo? Acordar. Misture quatro vezes, pague as contas e vá ao supermercado que vem aí novo mês. E este é dos maus, com 31 dias.
Estou a melhorar? Estou a piorar? Espero pelo primeiro enquanto temo pelo segundo. No caminho procuro entender-me e parece bem difícil.
Terá sido aquilo? Penso nisso todos os dias. Carrego um ontem imutável e ambiciono um amanhã impecável. Falta-me um hoje palpável. Bem o quero. E desde quando querer é poder? Se fosse, ainda lá estaria. Já lá vão alguns anos. Hoje, 2015, ainda estou preso lá longe.
Escrever ajuda, dizem. E como é que me liberto? Estando sozinho. Não outra vez mas finalmente. Porque ninguém está sozinho quando vive assombrado.
Se o Verão é economicamente mais rentável alguma vez teríamos dias de inverno se o homem pudesse escolher?
tens que escrever
se ao menos conseguisse viver de escrever o que me apetece
não é isso. Escrever só, só escrever
seja. Já volto então.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.